O vento sopra forte lá fora e eu te pergunto: tu vais ficar?
Eu deito no teu peito e tu me acaricias a cabeça com teus dedos grossos porém sem nunca perder a delicadeza de criança que sempre tiveste para provocar os que te rodeiam de aspereza. Daqui posso ouvir o ritmo torto de teu coração que bate desordenado. Tudo é música perto de ti, batimento cardíaco mesclado a respiração calma de uma tarde de inverno misturada inda do vento que canta lá fora em língua de sonhos impossível de se entender para nós, meros mortais.
Eu te sinto tremer, sinto que estás perdendo as estruturas, teu brilho de menino parece ir se apagando aos poucos, a barba descuidada o cabelo bagunçado os sonhos deixados de lado.
Mas ainda é tão bonito.
Sempre me intrigou o fato de estares descabelado, descuidado, desmemoriado, desencantado, e mais todos os “des” que puderem te vir a mente, mas ainda sendo bonito o suficiente para provocar um aperto no coração incomparável até mesmo a aqueles filmes românticos melodramáticos com um fim trágico - mas ainda sim, bonito.
Tu eras arte.
Tardes de agosto gastas um do lado do outro, deitados, energias misturadas, certa distância para evitar incidentes. Conversando sobre a vida, sobre as estrelas, sobre aquele romance que estou lendo, a tragédia, o lindo, o certo, o errado, o mocinho, o vilão - logo nós, dois antagonistas. As ideias entrelaçadas, argumentos válidos apenas a nós, dois incultos tentando descobrir tudo o que se intitula como arte. Mas pouco importava, a arte que possuíamos não era na teoria, não era nos livros, ou mesmo no escrito que tanto adorávamos (lembra-te das poesias?), era arte invisível, que apenas sentia-se; melhor, sentíamos.
Eu tiro o rosto do teu peito, já é noite. Vou até a janela observar o céu, deixando mais clara ainda minha paixão por estrelas. Me faz um bem olhar pra elas.
- Não achas engraçado? - Me dirijo a ti, sem tirar os olhos do céu.
- O que eu acharia engraçado? - Meio sonolento ainda.
- As estrelas… - Minhas voz vai esvaindo.
Tu não me respondes, então olho pra ti e tu me devolves um olhar de incompreensão como quem diz “como assim?”.
- É engraçado o modo como as estrelas nos encantam, nos remetem tanta coisa, nos inspiram, e, às vezes, nem existem mais. Tu sabias que depois de uma estrela morrer, ela continua brilhando? Só anos depois que ela desaparece por completo…
- Não sabia não.
- Mas é verdade. E é tão intrigante. Elas não precisam sequer estarem vivas para poderem nos fazer bem. O brilho delas é mais forte que sua própria existência. Não é engraçado inspirar-se e acalmar-se com algo que nem vida mais possui?
- Talvez seja até decadente.
- Prefiro levar como engraçado. Às vezes a decadência é engraçada. Ou mesmo irônica.
Me arrasto até a cama onde estás deitado e me aninho perto de ti.
- Já paraste pra pensar - retomas o assunto um tempo depois - que as estrelas não passam de ilusões?
- De que importa? São ilusões tão lindas.
- Nosso amor.
- Que tem ele?
- É uma estrela?
- Não sei, não há como saber. Ele é lindo como uma, pode até estar morto mas continuará a encantar quem a ele olhar. Nossa morte é invisível, só se sente por dentro, os observadores não podem perceber. Quando a estrela morre, apenas sua alma sente sua morte.
- E nós somos a alma?
- Não sei, querido.
- E se já estivermos mortos, se tudo já for apenas uma ilusão, de que vale?
- Não importa. Nós somos uma ilusão bonita. O tempo nos faz morrer aos poucos, mas cronologia não se encaixa na grandeza de nossos sentimentos.
Me apoio com os braços no teu peito e encaro-te de perto.
- Mas ainda sim, se tudo for ilusório, se tudo for apenas brilho, se tudo for, se tudo não for, me digas: tu vais ficar?
- Enquanto houver meu brilho junto ao teu, podemos juntarmos e sermos, nós dois, apenas uma ilusão.
É verdade que perdeste parte do teu encanto. Eu olho nos teus olhos e há uma saudade, algo fundo, fundo demais até para que tu mesmo possas nadar como quem nada em mar poluído. Teus cabelos ainda reluzem, mas alguma saudade esconde-se em ti, e isso me dói no peito, mesmo que eu não sinta tal dor muitas vezes, hipnotizada por teu brilho naturalmente desordenado.
Não somos nada além de uma bela, decadente e brilhante ilusão.
Sempre será meu favorito. Just that.
ResponderExcluirRafa! Esse é e sempre será meu preferido de todos os seus textos. Meu Deus, garota. Tu és demais. A linguagem que tu usas, as palavras certas que às vezes nos versos errados se complementam. Sei que não deve estar entendendo-me, mas eu explico-lhe. Que nem a Manu Gavassi disse (desculpa por colocá-la aqui, mas é o exemplo perfeito)tu és o tipo certo de pessoa errada. As palavras certas que tu usas, complementando versos tão simples. Que de simples vão para incríveis. E tu és quem os faz assim. Obrigada, Rafaela. Por escrever tão bem assim, rs.
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