Marcamos de conversar no fim da tarde no teu apartamento.
Fui me arrumando devagar. Bati a porta, e saí. Começa a chover, e eu, desprevenida que só, obviamente não levava um guarda-chuva comigo. Bem. Vou caminhando, procurando o ponto de táxi mais próximo. Nada. Acho que tinham uns carros aqui. Quer dizer. Os taxistas não teriam morrido. Ou... Continuo andando. Encharcada, a essa altura do campeonato. Agora que já me molhei, não tem mais importância, certo? Não. Se fosse para chegar até ti, não tinha.
Mas cadê a porra do ponto de táxi.
Ok. Já caminhei tanto que o melhor é continuar a pé. Já está escurecendo, e a junção da falta de iluminação com a chuva intensa (e meus olhos meio míopes, embora não queira admitir) não me ajudam muito. Me lembro do teu endereço e saio a catar o número correto em todas casas que via pela frente. Não me culpo por demorar tanto a encontrar. Uma casa tem o número de 84 na frente, enquanto a do lado dela tem um 152 gravado na porta. Ordem zero. Tipo eu. Ou não.
Meus pés doem. Minhas pernas, então. Vou pegar um resfriado com essa joça, penso. Ah se vou. Mas tudo bem. Me serves um chá bem quentinho quando encontrar tua casa, não?
Não.
Já estou me arrependendo de não ter ficado no conforto de minha casa, quando finalmente acho teu maldito apartamento. Sorrio, não dá pra evitar. Aperto a campainha, ansiosa. Nada. Tudo bem, deves estar no banheiro ou algo do gênero. Ok, tá demorando demais. Aperto de novo. Ah não ser que sejas invisível, não me atendes. Começo a me irritar. Bato na porta. Com força, diga-se de passagem. Silêncio. Mas que porra é essa? Bato mais forte, e a única coisa que ouço além de meus socos são os pingos de chuva cessando. Aumenta a raiva, junto com outro sentimento que não sei qual é. Tristeza não há de ser. Ódio também não. Medo, provavelmente. E se não abrires a porta nunca mais? E se eu tiver sido só mais uma idiota? Não consigo me conter. Junto os socos na porta à lágrimas.
Não. Não é justo. Não é justo eu ter caminhado tudo isso, ter me molhado, me cansado, pra que você simplesmente (me) ignorasse.
Sendo justo ou não, tanto faz, não abres mesmo.
Procuro o estabelecimento mais próximo com acesso a um telefone qualquer, já que meu celular ficou em casa, sem bateria, em cima da cabeceira.
Acho uma boutique (não exatamente uma loja fina ou qualquer coisa do tipo, mas vamos chamar de boutique, ok?) e pergunto à moça se posso usar o telefone. Claro, ela diz. Deve ter ficado com pena do meu estado. Se bem que não entendo como não pensou que eu era uma mendiga atrofiada das ideias. Mas isso não vem ao caso, definitivamente. Sorrio pra ela, agradecendo. Pego o telefone e começo a discar teu número. Não quebro as teclas do telefone, como pensei que faria. Acho que já estou cansada demais pra me esforçar com coisas supérfluas desse tipo. O telefone chama. Chama. E chama. Até que cai. Dou um risinho envergonhado para a senhorita ao meu lado, com medo que ela tivesse ouvido o tu tu tu do telefone e achado que eu era algum tipo de desesperada. É, ela ouviu. E pensou. Mas enfim. Disco de novo e espero. Espero. E nada. Ok, ligar pela terceira vez seria apelar demais ao ridículo. Agradeço a moça e saio.
Bem, talvez teu telefone também esteja sem bateria, em cima da cabeceira, como o meu. Não é?
Deus, acho que não canso de ser idiota mesmo.
No fundo eu sei, sim. Sei que não esquecestes celular nenhum, sei que estavas em casa quando bati na tua porta. Sei também que não te importas. Oh well.
Saio da "boutique" tremendo. De frio, de medo. Me sinto tão, mas tão patética. Tão patética que não dá nem pra chorar. Seria mais digno de risos. Além do mais, acho que já chorei o suficiente. Me aparece um táxi ali na outra esquina (ironia do destino?). Ei, moço, chamo ele com um aceno. Ele faz um gesto positivo com a mão. Caminho até lá, entro no carro, dou meu endereço e sossego. Por pouco tempo, mas sossego. Chegamos, ele diz. Quanto deu? Catorze, moça. Aqui. Obrigado. Obrigada o senhor.
Saio do carro. Giro a chave, entro e me atiro na cama. Não tenho forças pra chorar. Nem pra gritar. Muito menos pra chutar alguma coisa, como eu realmente quero fazer. Apenas tiro os calçados. O pé direito tira o sapato do esquerdo e vice-e-versa. Adormeço. É mais fácil. Chega de pensar. Pelo menos por hoje. Ou por amanhã. Sei lá. Só quero dormir e esquecer. Nem que por algumas horas. Chega chega chega.
No outro dia, acordo. Bem melhor, pra falar a verdade. Acabou.
Não me destes mais sinal de vida. Não falei mais contigo. Sei lá se estás vivo ou morto. Ou atado pelo pescoço num poste. Ops.
Não me permiti chorar (não muito, pelo menos) depois disso. Vou me poupar um pouco, não concorda?
Vezenquando passo de carro pela frente da tua porta. Me coçam os dedos pra apertar aquela campainha até poder ver teu sorriso de novo.
Mas... não.
Vou dormir, que é melhor. Algumas coisas a gente precisa aprender. A esquecer.
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